Dificuldade e Seletividade Alimentar

A alimentação, etapa tão essencial do desenvolvimento infantil, está no topo do ranking de reclamações dos pais no que diz respeito aos filhos. Muitas famílias vivem um verdadeiro terror na hora das refeições: birras, choro, irritação dos pais, discussão, tentativas frustradas de fazer a criança comer. Isso tudo pode ser provocado por um problema chamado seletividade alimentar. 

A recusa alimentar e a seletividade são comportamentos comuns na infância, já que 25 a 35% das crianças são descritas pelos pais como tendo dificuldades na alimentação (ocorrendo mais comumente em pacientes com distúrbios comportamentais, particularmente em pacientes com desordem do espectro autista). Além disso, crianças que apresentam atraso na introdução de alimentos sólidos durante o primeiro ano de vida estão mais propensas a desenvolver comportamentos seletivos ao longo da infância, sendo estes mais claramente identificados ao redor dos 7 anos de idade. 

E isso ocorre apesar da maioria das crianças ter na realidade um apetite apropriado para sua idade. O que frequentemente preocupa os pais é que o comportamento alimentar de seus filhos é imprevisível e variável, o que também costuma ser comum. 

No início da vida, as crianças passam por um crescimento impressionante. No primeiro ano, o bebê triplica de peso e cresce 50% do tamanho que tinha no nascimento. Isso tudo demanda energia. Por isso, os pequenos têm um apetite enorme nessa fase. No entanto, com o tempo, esse crescimento fica mais estável e lento e é esperado que as crianças passem a comer um pouco menos. No entanto, é justamente nessa fase que, muitas delas, começam a se recusar a comer. Algumas, escolhem alguns alvos: o brócolis, a alface, a banana. Outros, excluem do próprio cardápio grupos inteiros de alimentos. Tem criança, por exemplo, que só quer beber leite, outras querem viver de doces, e por aí vai. 

É quase sempre impossível fazer uma criança comer diante de uma recusa. Comportamentos como recompensas, chantagens, subornos, punições ou castigos para forçar a criança a comer devem ser evitados, pois podem reforçar e agravar a alimentar. Assim, há necessidade de entendermos melhor este problema para poder lidar melhor com ele no dia a dia.

1) Crianças em fase de formação do hábito alimentar em geral não aceitam novos alimentos facilmente.

E essa relutância em consumi-los é conhecida como neofobia, isto é, a criança habitualmente se nega a experimentar qualquer tipo de alimento desconhecido e que não faça parte de suas preferências alimentares. Para que este comportamento se modifique, é necessário que a criança prove o novo alimento em torno de 8 a 10 vezes, mesmo que em quantidade mínima.

2) O apetite é variável, momentâneo e depende de vários fatores como:

Idade: A queixa de falta de apetite é muito comum no 2º ano de vida, quando o crescimento físico diminui bastante em relação ao 1º ano e, consequentemente, o apetite também. Isso é fisiológico e normal;

Condição física e psíquica: Crianças doentes ou com alguma condição psiquiátrica em geral tem prejuízo de sua alimentação;

Atividade física: crianças muito cansadas ou superestimuladas podem não aceitar a alimentação de imediato. Espere de 15 a 20 minutos para oferecer os alimentos;

Temperatura ambiente: no verão a criança come menos do que no inverno;

Ingestão na refeição anterior: se na refeição anterior a ingestão calórica for grande, pode atrapalhar a próxima refeição.

Além do apetite ser regulado pelos alimentos preferidos da criança ele também é estimulado pela forma da apresentação do alimento (cor, textura, cheiro).

3) Os alimentos preferidos pela criança são os de sabor doce e muito calóricos.

Essa preferência ocorre porque o sabor doce é inato ao ser humano, não necessitando de aprendizagem, como os demais sabores. É normal a criança querer comer apenas doces, porém cabe aos pais estabelecer os limites quanto a horário e quantidade. 

4) Não obrigue a criança a comer. 

A criança tem direitos fundamentais na sua alimentação, como a quantidade que ela deseja comer, suas preferências e aversões. Existem mecanismos internos de saciedade que determinam a quantidade de alimentos de que a criança necessita, por isso deve ser permitido que ela ingira o quanto lhe apetecer. Deve sempre ser estimulada a independência ao sentar-se à mesa e comer sozinha, se a criança já for capaz. Deve-se também respeitar suas preferências alimentares individuais e, se a criança recusar insistentemente determinado alimento, deve-se substituí-lo por outro que tenha os mesmos nutrientes ou variar o seu preparo.

5) As alimentações e os lanches devem ser servidos em horários fixos diariamente, com intervalos suficientes para que a criança sinta fome na próxima refeição. Um grande erro é oferecer ou deixar a criança se alimentar sempre que desejar, pois assim ela não tem apetite no momento das refeições. O intervalo entre uma refeição e outra deve ser de 2 a 3 horas, devendo ser composto por 5 ou 6 refeições diárias com horários regulares.

Uma sugestão de rotina alimentar diária para crianças: Café da manhã às 8h, lanche matinal às 10h, almoço ao meio-dia, lanche vespertino às 15h, jantar às 19h e algumas vezes lanche antes de dormir.

Deve-se estabelecer um tempo definido e suficiente para cada refeição e, se nesse período, a criança não aceitar os alimentos, a refeição precisa ser encerrada, oferecendo-se algum outro alimento, somente na próxima refeição. 

6) O tamanho da porção nos pratos deve estar de acordo com o grau de aceitação da criança. O ideal é servir uma pequena quantidade e perguntar se a criança deseja mais. A regra geral nos primeiros anos de vida, é oferecer uma colher do alimento para cada ano de idade. 

7) A oferta de líquidos nos horários das refeições deve ser controlada, pois suco natural e água distendem o estômago, podendo dar estímulo de saciedade mais precocemente. O ideal e oferecê-los depois da refeição. 

8) Salgadinhos, balas e doces não precisam ser proibidos após os dois anos de vida, mas podem ser consumidos em dias e horários controlados e determinados pelos pais e em quantidade suficiente para não atrapalhar o apetite na próxima refeição.

9) A criança deve ser confortavelmente acomodada na mesa, juntamente com outros membros da família. A aceitação de alimentos se dá não apenas pela repetição à exposição, mas também pelo condicionamento social, e a família é o modelo para o desenvolvimento de preferências e hábitos alimentares. É importante que desde o primeiro ano de vida, desde a introdução de alimentos complementares, a criança observe outras pessoas se alimentando. 

10) O ambiente da hora da refeição deve ser calmo e tranquilo, sem televisão ligada ou qualquer outra distração como jogos ou brincadeiras, pois é importante que a atenção seja centrada no ato de se alimentar.

11) Deve-se envolver também a criança nas tarefas de realização da alimentação, bem como participar da elaboração do alimento, sua compra no mercado ou feira, e sua preparação.

12) Não cometa os dois erros mais comuns na dificuldade e seletividade alimentar: Substituir: é um caminho sem volta, se fizer uma vez, a criança vai saber que das próximas vezes pode recusar aquele alimento porque vai ter outra que ela gosta mais para comer, e; Oferecer todo dia o mesmo alimento: já que ela come bem macarrão ou ovo, por exemplo, vamos comer todos os dias. Isso só vai piorar e deixar a criança mais seletiva. Ela só vai querer comer macarrão ou ovo. E vai levar essa seletividade para o futuro!! 

A monotonia alimentar sem variações do tipo de alimento e da forma de preparação, é um fator que pode tirar o apetite e o interesse da criança pelo alimento. Assim, uma alimentação equilibrada precisa ser representada por uma refeição com grande variedade de cores, texturas, formas interessantes e colocação no prato de forma atrativa. 

Na maioria das vezes, as dificuldades alimentares estão relacionadas a indisciplina alimentar, onde não existem horários fixos de refeição, há substituição de refeição por lanches e beliscos, comem-se guloseimas em qualquer horário e há seletividade alimentar com exclusão de legumes, verduras, frutas e carnes, além de preferência por alimentos líquidos ou pastosos, principalmente os leites e derivados. 

A excessiva dependência de leite apresentada por algumas crianças pode estar ligada ao conforto de não mastigar ou, ainda, ao medo que os pais têm de oferecer alimentos sólidos no primeiro ano de vida da criança, perpetuando o comportamento até fases mais avançadas da infância.

A ingestão excessiva de leites reduz o apetite para alimentos salgados e frequentemente a fome é confundida com sede. Nesses casos é necessária a redução da ingestão de leite para a criança sinta apetite para o alimento salgado. 

A preferência por alimentos pastosos ou líquidos pode iniciar na introdução de alimentos sólidos ou mais tarde, ao redor dos 18 meses. A causa pode estar relacionada a algum evento específico ruim como engasgos ou vômitos, de modo que a criança teme a repetição do fato. A seletividade pode também ocorrer porque a criança prefere alimentos de consistência macia ou que dissolvam na boca. Devem ser oferecidos alimentos com maior consistência que as crianças possam segurar nas mãos e morder, ou que derretam na boca, como queixo tipo cream cheese. Esses alimentos podem aumentar a habilidade em ingerir alimentos sólidos.

Não aceitação de frutas, legumes e verduras é comum. A criança não deve ser forçada a ingerir os alimentos que não gosta, mas devem ser oferecidos dois novos alimentos por semana, com preparações variadas, coloridas e atrativas. Deve-se repetir esses alimentos duas a três vezes por semana até que sejam aceitos naturalmente.

A criança com seletividade tem preferência por um pequeno número de alimentos e sempre de determinados tipos ou da mesma consistência, ela pode até mesmo experimentar novos sabores, mas não incorpora ao hábito alimentar. A atuação na seletividade ou neofobias deve ser a repetição a exposição de um novo alimento para que passe a ser conhecido, sem coerção ou pressão sobre a criança. E necessária também uma rotina bem estabelecida para a degustação do novo alimento, na presença de outras pessoas da família, que sirvam de modelo.

Medicações estimulantes de apetite não devem ser usadas, pois não resolvem a indisciplina alimentar, seletividade, preferência por leite ou outros distúrbios.

Fazer o filho comer melhor não é fácil, simples, nem rápido, e depende muito da atuação firme dos pais e da sua capacidade de impor limites e modificar hábitos e rotinas inadequadas. A família e os cuidadores são fundamentais para a formação e a estruturação dos hábitos e condutas alimentares das crianças. Também são responsáveis por promover o ambiente das primeiras experiências alimentares que podem ser decisivas para a aceitação de novos alimentos. Se um ambiente é agradável e novos alimentos são oferecidos sem coação, a criança fica muito mais suscetível a desenvolver preferência por eles. Somente com o apoio da família a criança vai crescer com hábitos alimentares saudáveis e ter uma boa saúde.

 

Fontes:

Nutrição em Pediatria: da Neonatologia à Adolescência. 2ª Edição. Editora Manole. 2017.

https://www.greenmebrasil.com/viver/especial-criancas/48625-seletividade-alimentar-infancia-como-lidar/amp/

https://nutrinfantil.com.br/o-que-e-seletividade-alimentar-infantil-quando-e-porque-ocorre/

https://mipetit.com.br/seletividade-alimentar-tem-como-resolver/

J Bras Psiquiatr. 2013;62(2):164-70.

J Pediatr. 2010 Aug; 157(2): 259–264

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